segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Tranqueta

No Inverno, os ventos cortantes da Sanabria rolam encosta abaixo e fustigam o vale. Com as copas das árvores nevadas de branco e o martelar do sino a Trindades, a manhã rompe num ápice. Está na hora de deitar o gado. Conforme se caminha pelas ruas, vemos retirar trancas aos portais. São velhos portais de rés-do-chão e estrebaria, rudimentares, com fechos de madeira de antanho que soluçam e chiam: os chamados gravelhos.
Geralmente em múltiplos de quatro por casa, as ovelhas saem lentamente do escuro da loja, erguem a cabeça, olham em redor, dirigem-se para a rua. Chegadas ao largo da aldeia juntam-se em rebanho. O rebanho antigamente era maior. Chegou a ter quatrocentas cabeças e era preciso percorrer uma distância descomunal para lhe apaziguar a fome. Hoje é muito mais pequeno. Está quase a acabar. Olhando aquele ritual telúrico, penso para comigo: até quando as antigas tranquetas serão capazes de aguentar, por mais um dia, o rompão do tempo? Sei que o gado do povo é o orgulho de qualquer habitante da aldeia; mas vá la a gente entender um rionorês!... Dei conta do meu receio ao pastor de roda, (que tem à sua frente uma jornada de fartura mas não acordou como eu com a poesia de pintar os trabalhos do campo) e ele respondeu-me em desafio: «Homem, homem, esta vida já devia ter acabado há mil anos!» (LP)

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