quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Imóvel, a estilhaçar o azul...

Imóvel, a estilhaçar o azul... Morrendo metade de cada vez. Não como tu, amigo, que no dia de hoje e há um ano atrás apenas nos deixas-te a dor...
Mas havemos de contar-te ao filho que te continua, surpreender-te de flores e visitas, dizer que se foi embora um bom e já restam poucos, e enquanto formos vivos não te deixaremos morrer em nós.
(LP)

domingo, 14 de outubro de 2007

Unamuno em terras de Rio de Onor

“Yo no sé en que consiste, pero en esta tierra portuguesa casi todos aquellos con quienes cruzo me parecen antiguos conocidos: tienen caras que he visto en otra parte, caras placidas, sonrientes. Los mendigos me parecen también conocidos viejos”. As palabras são do escritor castellano Miguel Unamuno, (o grande vulto da chamada geração 98) e procedem das suas afectuosas prosas consequentes das suas inúmeras viagens “por terras de Portugal e Espanha”, em inícios do século passado, e editadas no livro com igual nome e que a revista espanhola Triunfo recordou nos idos de 1974 (Triunfo. En tierras de Portugal y Espanha. Una aldea comunitaria Año XXIX. Num. 633. 16 de Noviembre de 1974. pp: 45-47). As andanças de Unamuno por terras de Sanabria e Castañeda, terminariam por resultar na elaboração do espaço narrativo de uma das suas mais fluentes novelas: San Miguel Bueno, Martir.
(LP)

sábado, 13 de outubro de 2007

PNM e populações de candeia às avessas (2)

Os artigos 8º e 9º do POPNM (Plano de Ordenamento do Parque Natural de Montesinho), cujos conteúdos fazem referência aos actos interditos e condicionados, respectivamente, proíbem 27 actividades e fazem depender de autorização e parecer superior do PNM outras 36.
Entre as actividades interditas ou condicionadas contam-se as obras de construção de edificações para habitação, turismo, comércio ou indústria fora dos perímetros urbanos; a realização de repovoamento, reforços cinegéticos e largadas de caça; a circulação com qualquer veículo motorizado fora das estradas e caminhos municipais; o sobrevoo de aeronaves com motor abaixo de 1000 pés, a construção de açudes; a abertura de estradas, caminhos ou trilhos, bem como a beneficiação, alargamento ou qualquer modificação dos já existentes; a constituição de zonas de caça; a limpeza e desobstrução das linhas de água e das suas margens, os exercícios militares ou de protecção civil, a instalação de eólicas, campos de golfe, oleodutos e estruturas similares; o pastoreio livre, etc, etc, etc…
Gostaria de chamar a atenção para o facto do POPNM apresentar, no artigo 7º, as acções e actividades a promover na área abrangida pelo programa de ordenamento (acções de carácter muito vago, sublinhe-se). Ora, se compararmos o número acções a promover (22) com o número de actividades que o plano interdita ou condiciona (63) verdade seja dita que todos ficamos a saber com que cenário lidamos.
Colo ao lado a topográfica de Rio de Onor. Na carta, a verde carregado, surge a chamada zona tipo I. Esta zona fica interdita a trabalhos agrícolas e as culturas anuais que nela existem devem ser convertidas a culturas perenes. A verde alface, a zona tipo II, que condiciona a prática agrícola e pecuária. Quem quer que tenha terrenos na área I e II em estado não-agrícola, não os poderá reconverter à agricultura.
Tendo em conta as restrições drásticas que o POPNM coloca aos habitantes de Rio de Onor (designadamente no domínio da agricultura, do pastoreio livre, da pecuária e da silvicultura), entendo que, em vários pontos o POPNM colide com princípios constitucionais e o direito ao uso da propriedade privada, pelo que não tenho dúvidas em colocar o meu nome no abaixo assinado que, com o objectivo de solicitar a reformulação de vários artigos do POPNM, circula, esta semana, pela cidade de Bragança. (LP)


sexta-feira, 12 de outubro de 2007

PNM e populações de candeia às avessas (1)

Quer parecer-me que há muitos anos já o Parque Natural de Montesinho (PNM) iniciou um processo de desvio relativamente às gentes que nele habitam.
Não pretendo discorrer das razões pelas quais a "antiga jóia da coroa" do ambiente em Portugal se fechou no leito utupiano da sua própria concha, mas a clivagem entre as partes é por demais evidente.
Não conheço hoje nenhum homem de nenhuma aldeia de nenhuma freguesia que, relativamente ao Parque, não tenha perdido as suas ilusões.
O cenário é de perda...
Tirando os seus primeiros anos de funcionamento, marcados pelo envolvimento com as comunidades, o PNM caiu num tal letargo, que só a tese linear de um estrangulamento financeiro poderá ajudar a compreender.
E, quando já mais nada havia para esperar, eis o corolário da letargia que causa, aparentemente, acção: o Plano de Ordenamento do PNM, em discussão pública, por estes dias, na cidade de Bragança.
Tenho à minha frente o referido regulamento. Tem o selo do Instituto de Conservação da Natureza, do Ministério do Ambiente e do Parque Natural de Montesinho, por esta ordem.
Depois do tom planfetário das disposições gerais, e de alguns entroitos, o documento segue com as definições das citações feitas. É um glossário longo de "naturalismos", que medeia entre o risível e o lugar-comum de, por exemplo, definir colmeia, cave, apiário, espécie, habitat, sótão, área non aedificandi, pesca, etc...
Mas o que leva os especialistas a escreverem coisas destas num projecto-lei não é para aqui chamado...
A celeuma que envolve PNM, autarcas e populações advém dos artigos 8º e 9º... (LP)

terça-feira, 9 de outubro de 2007

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Espelho


Ao longo do rio há um chorão crescendo desregrado por entre renques de salgueiros. Na outra margem, menos arborizada, largam, apoiadas num paredão de xisto, um sem-número de belgas e de casas que se erguem em arquibancada. Das hortas é possível descer-se à lagoa por escadinhas de serviço engastadas na pedra. Depois, se olharmos borda acima, a muralha de suporte avançava quase rectilínea até ao peitoril da ponte. E, nesse local, aí o tempo todo, vêem-se distintos e a cair de novo em espelho, os arcos e os pegões da ponte, no silêncio brando das águas. (LP)

Tranqueta

No Inverno, os ventos cortantes da Sanabria rolam encosta abaixo e fustigam o vale. Com as copas das árvores nevadas de branco e o martelar do sino a Trindades, a manhã rompe num ápice. Está na hora de deitar o gado. Conforme se caminha pelas ruas, vemos retirar trancas aos portais. São velhos portais de rés-do-chão e estrebaria, rudimentares, com fechos de madeira de antanho que soluçam e chiam: os chamados gravelhos.
Geralmente em múltiplos de quatro por casa, as ovelhas saem lentamente do escuro da loja, erguem a cabeça, olham em redor, dirigem-se para a rua. Chegadas ao largo da aldeia juntam-se em rebanho. O rebanho antigamente era maior. Chegou a ter quatrocentas cabeças e era preciso percorrer uma distância descomunal para lhe apaziguar a fome. Hoje é muito mais pequeno. Está quase a acabar. Olhando aquele ritual telúrico, penso para comigo: até quando as antigas tranquetas serão capazes de aguentar, por mais um dia, o rompão do tempo? Sei que o gado do povo é o orgulho de qualquer habitante da aldeia; mas vá la a gente entender um rionorês!... Dei conta do meu receio ao pastor de roda, (que tem à sua frente uma jornada de fartura mas não acordou como eu com a poesia de pintar os trabalhos do campo) e ele respondeu-me em desafio: «Homem, homem, esta vida já devia ter acabado há mil anos!» (LP)

Recantos da aldeia


Casa sobre o rio